Luciana Konradt

As duas faces de Jano

Por Luciana Konradt
Jornalista, advogada e escritora

Viramos o calendário. Por mais discretas que sejam as comemorações da virada, quase sempre fica, na ressaca do dia seguinte, aquela sensação de acordar entre taças e nossos próprios destroços. E, junto com a má digestão, a certeza de que algum anjo, em suas auspiciosas bênçãos, protege os exagerados no copo e na mesa. Se o corpo padece das consequências de tanta festa, no início de janeiro, o espírito se vê envolvido em uma batalha inglória: precisamos consertar os presumidos estragos do ano anterior e projetar o que fazer, ou transformar, nos próximos doze meses.

Convém lembrar que a palavra janeiro deriva de Jano, o deus romano representado com duas faces: uma voltada para trás, em alusão ao passado e, a outra, virada para frente, como símbolo do futuro. A divindade era ainda relacionada à ideia de mudanças e transições. No Fórum Romano, o Templo de Jano tinha uma porta de cada lado e, conforme a tradição, as portas eram fechadas em tempos de paz e abertas quando havia guerras. Como os romanos viviam envolvidos em suas batalhas de conquista, na maior parte do tempo, as portas do templo ficavam abertas. E, infelizmente, a persistir o costume, permaneceriam assim até hoje.

Tal qual o mito, nas primeiras semanas do ano, temos aquela tendência de olhar o que passou e projetar nossos desejos futuros, como se a passagem de calendário fosse um portal de purificação ou transformação. Como se não continuássemos a ser quem somos, com nossas bagagens e esperanças. De toda forma, entre previsões, rezas, reflexões, simpatias, superstições, ou qualquer outra maneira de mentalizar o que desejamos, criamos, de fato, uma certa consciência coletiva em torno das boas coisas, do amor, da paz, da busca por um mundo justo e humano. Nessa época, nos conectamos, uns aos outros, com uma dose maior de empatia e solidariedade. Dessa catarse de emoções fica a ideia de que se não é possível mudar o que já aconteceu, seremos sempre capazes de aprender com nossas experiências e escrever, no novo tempo, uma história melhor e muito mais bonita.​

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